Sobre eu e o meu lixo

O contêiner da rua está sempre cheio, porque todos os moradores dos arredores usam essa porra.
Há todo tipo de coisa lá dentro.
Acho que o lixo de uma pessoa pode falar muito a respeito dela.
E o meu lixo é composto basicamente por latas de cerveja, algumas embalagens de comida congelada, que me transformam em alguém muito melhor, por consumir tal produto, e muitos maços de cigarro amassados, como a minha cara.
Eu sei, vou morrer, mas isso eu já aceitei, o que me incomoda mesmo, é muito maior.
Porque o lixo é algo que fala com a gente.
Só que nem todos prestam atenção nele.
O ser humano vive em fuga.
Gosta do que é bonito, do que cheira bem.
Somos hipócritas por natureza.
E temos a esperança de que a verdade sobre nós mesmos não nos leve pra dentro de um sanatório.
E isso faz sentido.
Ao menos pra minha pessoa.
Não pense que sou um sabichão, porque na verdade, eu me pareço com meu lixo, e sinto como se houvesse um contêiner abarrotado dentro de mim, prestes a explodir.
E eu, que presto atenção em meus desejos e sentimentos, notei que toda a dor e toda a amargura que sinto se convertem em duas coisas, textos e muito lixo.
Em poucas horas o caos se estabelece, porque eu tenho muito a beber, a comer, a fumar, a chorar e a me descabelar.
Acho que o meu lixo é proporcional ao número de laudas que consigo datilografar.
E sempre que levo o meu lixo até o contêiner, que fica do outro lado da rua, costumo encontrar pessoas lá dentro.
Gente que pega as minhas latas de cerveja, gente que leva a embalagem maravilhosa daquela comida congelada magnífica, que me transforma em um ser humano muito melhor, pelo simples fato de tê-la consumido, e gente que ajunta os meus maços de cigarro.
Sim, eu sou perfeito, e como todo ser humano perfeito, eu cheiro bem.
E depois de jogar o meu lixo aos pés de quem está lá dentro do contêiner, eu posso virar as costas e voltar pra minha casa, pra mais uma vez pensar em tudo que me falta, e me esquecer de tudo que tenho.
Só que dessa vez, chovia e fazia zero grau, e quando cheguei diante do contêiner, vi aquele garoto que cheirava como espírito adolescente, e que estava lá dentro, a catar tudo que eu produzi com a ajuda dos meus demônios e meus problemas, tantas vezes fúteis, e não deu pra virar as costas e voltar pra casa.
Eu saltei lá pra dentro e o abracei.
Ele não me disse nada, mas notei que havia uma lágrima em seu olho.
Eu fiquei feliz por ele, que carregava lágrimas em seu interior, e não lixo, como eu.
E por isso, passei a ajudá-lo a encher a sua carroça.
E no momento em que ele partiu me acenando com um sorriso grato, eu fechei a tampa do contêiner e sentei lá dentro, por entre o lixo.
Eu me sentia triste e precisava saber mais a respeito de mim mesmo, e quem sabe, pudesse compreender um pouco mais sobre tantas coisas que ainda não entendo, e que aparentemente, cheiram muito bem.

Não, eu não mandei aquele garoto pra dentro do contêiner, mas eu virei minhas costas a ele e voltei pra minha casa infinitas vezes, com todo o lixo que me cabe, e que até hoje não sei ao certo, como me livrar dele.

Postagens mais visitadas deste blog

Confissões que a gente só faz na cama

Voando em carne crua